Saturday, October 1, 2011

212 Minutos...


Por vezes há tempos certos. Tempos com cabeça, tronco e membros, com princípio, meio e fim.
Por vezes esses tempos são-nos monopolizados pelo corpo, deixando a cabeça de lado e desregrando o tempo todo. Isso pode acontecer em somente duzentos e doze minutos, quase, quase quatro horas, onde uma vida inteira se resume em gestos desse corpo que não quer com o tempo acabar.
A contagem decrescente começa. Os segundos esvaem-se entre contemplações mútuas naquela mini-vida a dois. O olhar diz que se querem, querem muito, aqueles dois seres que se amam no tempo que foge. Só com esse olhar já se perde a cabeça. Aos olhos juntam-se os lábios que falam, sorriem, resmungam, cantam ou sussurram. Os segundos condensam-se em minutos.
Minutos que passam tão depressa como devagar, que se vão somando em recordações ali depositadas, que dão ritmo ao passar do relógio e batidas do coração. Compasso da música que homem e mulher criam, onde os seus troncos se projectam um no outro, onde os seus membros se fundem, transformando os minutos em horas. Quase, quase quatro horas.
Numa hora sentem-se crianças. Brincam nervosos, tremem ansiosos na (re)descoberta do seu par de aventura, no seu companheiro de vida. Uma vida só de quatro horas, mas uma vida.
E passam para a segunda hora e, quais adolescentes, ardem-se um no outro, e desafiam-se, e exploram-se, e procuram saber o que querem e por onde podem seguir de mãos dadas. Nem que isso os faça cair de cabeça, o que na verdade não faz mal porque estão no tempo adolescente e certo para aprender.
E perdem-se, na ampulheta do tempo que foge, e aceleram-se em beijos adultos nos seus sexos húmidos. Transformam-se vendo o tempo meio gasto, sentem a urgência do que augura o fim. Abraçam-se, rebolam-se, devoram-se, não querendo saber quem são, quem chega, que valores têm, que compromissos devem respeitar. Debatem-se com a visita da morte que já os espreita e entram em ruptura.
O tempo acelera os seus medos, e gritam. O tempo espelha-lhes o amor impossível, e choram. O tempo envelhece-os numa última hora de vida a dois, e fogem. Fogem de amar mais, de se fundirem mais na pele do outro, de atingirem orgasmos incomparáveis, ímpares, inesquecíveis. Ficam velhos e frígidos. Não fazem mais amor nem sequer sexo. Masturbam-se. Aquela morte, mulher negra, traída, vem buscar o homem sem piedade. Deu-lhe duzentos e doze minutos para viver e ele assim o fez. Quase, quase quatro horas, onde ele teve o mundo nas mãos.
A sua mulher-mundo desistiu de viver também, enquanto o via partir, arrastado em modo autómato pela mulher negra. Todavia um rasto do seu fio de vida viril ainda ficou preso na cama dos dois. Enquanto ela se desfazia dos seus bens e certezas terrenos tentou ainda puxa-lo de volta a si, para a cama partilhada durante quase, quase quatro horas. Ele ao longe sorriu-lhe e morreu. Ficou frio, empedernido, uma mera lembrança esfumada da carne quente que noutro tempo tinha sido.
Bateram as badaladas finais: duzentos e dez, duzentos e onze, duzentos e doze minutos. Ela faleceu também, ali, deitada entre lençóis ainda quentes, naquele tempo capicua, que se lê igual de trás para a frente ou da frente para trás. Tempo que no fim vai dar ao mesmo, a um caminho sem saída, cheio de sinais de “é proibido passar”. Foi-se o tempo de cabeça, tronco e membros, com todas as suas partes quebradas em mil pedaços.
O seu corpo tépido de fêmea ficou prostrado no leito aquecido, as suas cinzas mornas esperam agora uma lufada de oxigénio para noutra vida renascer.
Ele não, ele dificilmente terá outra vida, foi devorado pela fria morte dominadora que não lhe deu tempo para ter tempo de querer viver outra vez. Ele sim, sozinho, teve princípio, meio e um amargo fim. 


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